quinta-feira, 25 de abril de 2019

Os dois lados

Pequenas considerações sobre o Transtorno Bipolar do Humor.

Quando a loucura e a sanidade convivem íntimas, lado a lado, disputando espaço no seu dia. Sem razão lógica, sem causa aparente. Sem motivos razoáveis os quais poderiam justificar ao mundo os sentimentos extremos, a agitação, a euforia; a apatia, o olhar vazio. É você no mundo, sozinha, tentando sobreviver à montanha-russa de sentimentos, durante as atividades mais corriqueiras. Todo dia. Todo dia uma nova batalha, dentro de você, que tem de ser vencida, mas que de qualquer forma você vai perder. Porque está tudo em você. Os dois lados. Os dois mundos. Sol e chuva. Dia e noite. Claro e escuro. 

Por vezes é uma noite mal dormida, pela agitação, o pensamento acelerado, a cabeça "cheia de palavras". Em outros momentos é a sonolência extrema, a vontade de desistir todos os dias, o cansaço que te traz à mente a todo o tempo o questionamento: "isso vale a pena?". 

E tudo isso vivido em segredo. Como explicar ao mundo que você não está bem, e não há razão aparente para isso? Como justificar a euforia, a perda de foco, os atos inconsequentes - que duram meses, semanas, dias, horas - e são seguidos por completa e total desmotivação com a vida, o peso infinito nas costas, o olhar vazio. 

Nenhum dos dois lados lhe faz bem. Nem um dos dois é saudável para o corpo e para a alma. Existe um caminho do meio, o qual procuramos desesperadamente, sonhando com o dia que teremos que lidar apenas com os problemas reais do mundo, não mais com os problemas da nossa cabeça. Parece tão injusto, como largar na corrida da vida algumas posições atrás, e dessa forma, sempre ter que trabalhar muito mais para "segurar a barra" e conquistar seus sonhos e objetivos.

A sociedade exige produtividade dos indivíduos. Conquistar as coisas exige trabalho e concentração. Como realizar tudo isso, enquanto luta sua própria batalha interna? Como viver nesse mundo sem a habilidade de se manter estável para "produzir"? Como sobreviver a sua própria inconstância?

Não há resposta certa para nada disso. Só experiência, tentativa e erro, luta diária por você e contra você. Cada um lidando com o fardo com o qual veio. Sem pensar no que é justo ou não, apenas no que pode ser feito para passar por mais um dia com o mínimo de sanidade necessária para viver. 

segunda-feira, 15 de março de 2010

Dias Inventados - parte II

"Não que houvesse assim tanto tempo entre o primeiro sorriso e os inúmeros beijos daquele fim de semana. Havia, na verdade, um ínfimo intervalo de tempo, que se convertera em eternidade. Não era ele, a relação, a circunstância. Ela até pensou, a princípio, que fosse. Sem ilusões, sem fantasias, via em toda a loucura de ambos uma proximidade interessante. Na falta de complexidade da relação um encanto, uma possibilidade. Eles se gostavam, simplesmente. E era só isso, não havia mais. Não havia dúvidas, promessas, cobranças. Era só uma situação de encantamento circunstancial muito divertida de se viver. Mas não, não era a leveza da relação. A magia daqueles dias estava simplesmente na beleza de estar com alguém. Nas nuances claras da harmonia. Até parecia dar certo. Isso era novo. Era diferente. Nunca houvera nada parecido em seus relacionamentos superficiais.
Difícil é entender como algo tão simples, cotidiano, pode trazer tanta alegria. O equilíbrio, o café-da-manhã, os fins de semana ociosos. Esses fatos rotineiros insignificantes para a maioria. Era só o que ela queria, mesmo que nada daquilo combinasse muito com sua vida conturbada. Era na verdade a harmonia que lhe faltava."

A tarde andaram de caminhão - situação necessária. Por que, é a pergunta. Tanto faz, eles sabiam se divertir juntos. Era como um começo de relação eterno, em que tudo é motivo de graça. Até colheram acerolas no pé. Gosto agridoce da frutinha vermelha. No quarto, em frente ao espelho, ela se arrumava. As roupas espalhadas, a mala aberta. Qualquer um acreditaria que aquele era seu habitat natural, qual era sua familiaridade com o ambiente. Até mesmo os dois, em oportunidades anteriores, desenvolveram uma intimidade peculiar, que se refletia no quarto, na cama, nos passeios de caminhão. O fim de semana chegara ao fim. Sim, porque a semana começaria em seguida, e com ela a rotina massacrante, a realidade, a vida de cada um. Chegara ao fim com um adeus na rodoviária, melancolismo e a peculiar sensação de que nunca mais viveriam coisa parecida juntos - ela tinha certeza. Pegou de volta na mala o vazio da vida solitária O mais dolorido era constatar sua incapacidade de sustentar a própria solidão. Sua evidente dependência estampada na felicidade a dois. Se parecia amor, sim, talvez. Se era? Ninguém nunca pôde responder - ela mesma preferiu não se perguntar. Mas talvez tenha sido aquele dias o que mais se aproximou. Um excerto de poesia, um pedacinho de vida, sim, amor poderia ser isso. Circunstância, situação.

Não se engane. Isso não é um conto de fadas. Não é novela, não é romance do século XIX. É a realidade bem fria de uma mulher que sabe ser sozinha. Que sabe fazer as coisas erradas, e erra com altíssimo sucesso. Que se retira das vidas alheias para evitar maiores aborrecimentos, por medo de situações futuras. Ou simplesmente por sua inconsequência incorrigível - que fosse. Ela era boa em estragar tudo. E estragou, como sempre. Independente disso, não havia futuro para esse casal aparentemente certo. Eles sabiam. Não faziam planos, não esperavam muito mais do que cada dia - ao menos naquele fim de semana. O fim começa no começo. Quando o envolvimento é mais do que o hoje, é mais do que o agora. Quando começa surge a certeza de que vai acabar. E daí? Relacionamentos acabam, de fato, como anterior, como o próximo. Talvez se eles não tivessem começado, aqueles dias seriam os únicos e só aquela seria a lembrança feliz.

Enfim, é claro que inventei tudo isso.
Loucuras impensadas, sábados em família?
Cidades de interior? Felicidade? Harmonia?
Não se iluda, essas coisas não existem.

segunda-feira, 8 de março de 2010

cantos

"De canto em canto
eu canto porque é o que me resta
a voz que grita e ecoa os versos
dos que cantam e choram e clamam
nos becos, nos cantos.
Nas ruas da vida sem saídas. "

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Dias inventados - parte I

"Estirada na cama, o sono não quisera vir. Só pensou consigo, as coisas que pensava sempre que as cortinas baixavam. Sempre a mesma nostalgia. Queria que aquele fim de semana perdido tivesse durado a eternidade - mas quem disse que não durou? Ai quem me dera, se toda loucura fosse doce como aquela. Começavam a se perder no tempo os detalhes do pedacinho de céu que vivera anos antes. Escreveu, como sempre, porque foi preciso."
No meio do caos, da confusão, das coisas vazias e sem sentido, aquelas horas haviam sido a exceção absoluta. Alguma coisa até parecia ter importância.
A casa, o cachorro, as roupas penduradas no varal. O calor absurdo que fazia durante o dia, e o calor próprio das noites em claro. O sorriso tão puro, meu deus, tão puro. E tudo absolutamente simples, corriqueiro, comum. Até ela parecia fazer parte da paisagem, encaixava-se perfeitamente na vidinha mansa de interior, na conversa a toa da família.
Prometera que iria, e foi. A relação não era lá tudo isso, que merecesse as seis horas na estrada - mas havia quem discordasse. Enfim, ela foi. Não havia nada a perder, além das coisas sem importância do seu dia-a-dia.
A cidade se abria tímida, havia um circo na entrada. Uma tenda colorida e até parecia festa de criança. Ele a esperava sorrindo na rodoviária, sorrindo tanto, e um abraço enorme. Ali ela deixou sua vida morna guardada na mala, e entrou de vez na vida dele. Era pequena, encaixou-se fácil.
A noite era só deles, a saudade, a sintonia - tudo conspirava a favor. Nada poderia ser mais certo que os dois rindo de si mesmos. A alegria da surpresa da presença. Até a cama parecia acolher a menina como sua segunda dona. Dormir não era necessário, mas havia o sentimento estranho de duas pessoas que gostariam de acordar juntas. O fim de semana seguira assim, entre lanches na cozinha e noites em claro.
Ela não aprendera a destrancar a porta do banheiro e de alguma forma conseguia se prender em todas as tentativas. Mas a casa em si parecia íntima e conhecida, de um jeito encantador. Ele tivera que ir à faculdade e a deixara na casa com a mãe. As duas conversaram bobagens, mansamente. A mulher falara da família, de si mesma, de sonhos, desejos e conquistas. Até mostrara à menina as bonequinhas de e.v.a. que aprendera a fazer. O diálogo tão fácil, a conversa tão simples - pareciam conhecer-se há anos. Tiraram e dobraram as roupas do varal juntas.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O único jeito é
escrever.
até tenho outras coisas a fazer
várias
inúmeras
me sufocando
mas não funciona
não acontece, não importa
o único jeito é
escrever.

Li outro dia em algum lugar sem importância
que uma vida vazia pesa muito
é
pesa infinitamente
acho que vazio inclui ausência
ausência pesa
pesa e doi
incomoda porque é falta
é a essência do vazio, a ausência

superficial
vidas superficiais são vazias
é quase a mesma coisa
os dias são genéricos
os bom dias são automáticos
as pessoas aparecem e somem e os sorrisos são todos iguais
as palavras são ensaiadas
o carinho é temporário
vem rápido, e passa igual.
quando vem.


isso tudo e solidão
um monte de gente que não significa nada
palavras inúmeras que não valem uma única sílaba.

ridículo.

situação ridícula. deprimente.
porque o que é que se faz com ausência?
com presença incômoda a gente resolve
manda embora
rápido fácil indolor
e ausência?

o que é que se faz quando falta alguma coisa
quando falta quase tudo?

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O saxofonista solitário
ante à platéia alheia
chora na flauta por atenção.

e chora na gaita.

e chora.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Xeque-mate

E é quando o tempo pára e as vozes se calam que ouve-se a saudade. Saudade não grita, não se sacode, não te incomoda todo o tempo em todo lugar. A saudade é mais como uma coisa pequena escondida e tímida. Quieta enquanto o mundo ao redor grita e se move. Enquanto se está fora do próprio mundo e dentro do mundo alheio. Enquanto finge-se que não é o que é e torna-se aquilo outro, e sente-se aquilo que não se sente na verdade, e o coração bate num ritmo que não é o seu.
Mas espera, espera o mundo calar-se. Espera que, desprevenido, entre no próprio mundo e recolha-se na sua poltrona particular em frente a lareira. Espera que façam silêncio e todos vão-se embora. Espera que a festa acabe, desliguem o som e tomem o último gole. Espera que as cortinas se fechem e a platéia se vá.
É quando o espatáculo chega ao fim que as luzes se apagam e a solidão toma conta. A saudade na verdade não vive sem a solidão. Porque saudade por si só é somente sentimento gostoso de nostalgia pela sensação sentida noutros dias. A outra saudade é a que se junta à solidão e derruba.
Num jogo rápido, xeque-mate.
E não há escolha, não há abrigo, a saudade é só sua e não há forma de fugir de si mesmo.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

en la lucha de classes
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas

Paulo Leminski.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

.



Eu não quero medir a altura do tombo.

Cair é necessário.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Não era para eu estar aqui.

ela
Não era para eu estar aqui.
Faça o que quiser, mas não sorria assim. Não sorria, porque esses sorrisos seus, assim quando sorri e sorri simplesmente, são devastadores, únicos, destruidor de lares.
No plural não sei porque, já que é só você quem o tem, e só o vejo sorrir assim para mim - quanta modéstia.

Quanto aos lares, tanto faz, a muito não se vê um por essas bandas.
Assim mesmo, não devia eu ter vindo. Vim sim, por motivos que desconheço e não compreendo. O que nada me impede de ir por hora e agora, sem voltas para as sensações passadas.

ele
Vejo que a desconheço menos do que poderia eu prever após tantos aniversários ausente. O auto-controle, afinal, ainda é uma lacuna na sua lista de qualidades. E, percebo agora, depois desse seu sorriso sinceramente incrédulo, que essa lacuna converteu-se em uma de tuas mais encantadoras particularidades. Sorria, querida, isso foi um elogio.

O tempo só acentuou meu encanto por tuas manias e falta de nexo. Gosto disso em ti, gosto do sexo, da falta de ordem, de sentido, do teu jeito confuso de fingir que não me quer. O encanto entre nós dois vai passar ou amanhã ou depois ou semana que vem. Tu sabe, eu sei. Se não passar, eu é que vou embora.

Vem logo pra cama antes que a noite acabe.